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PL 1904/24 e os retrocessos na discussão do aborto no Brasil

  • Enzo Rossetti
  • 17 de out. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 1 de nov. de 2024

O que as recentes questões sobre o aborto nos revelam sobre como tratamos as mulheres e pessoas que gestam no país?


Enzo Rossetti


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Crédito: Jorge Leão

O aborto é considerado crime contra a vida humana previsto no Código Penal brasileiro desde 1984, com a exceção de casos em que a gravidez apresente risco de vida para a gestante ou seja consequência de estupro. Em 2012, o STF garantiu a interrupção terapêutica de gestações de fetos anencefálicos no Brasil. Entretanto, ainda em casos no qual o aborto legal é assegurado, mulheres e pessoas que gestam sofrem com barreiras ao acesso ao procedimento a que tem direito, direito esse que é perseguido principalmente pelos conservadores e pela extrema-direita.


Em 2023, uma menina de 13 anos teve o acesso ao aborto legal negado por um hospital em Goiás e por decisões judiciais do Tribunal de Justiça do estado (TJGO), mesmo a gestação sendo fruto de um estupro e tendo sua interrupção garantida pela lei. Foi necessária a autorização do Superior Tribunal de Justiça para que ela pudesse realizar o procedimento de forma legal e segura.


Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021, uma a cada sete mulheres brasileiras de quarenta anos de idade já interrompeu uma gravidez. O aborto no país abrange diversos perfis e idades, mas em especial as mulheres mais vulneráveis: negras, indígenas, jovens e com baixa escolaridade. Elas são as mais suscetíveis à busca por métodos não seguros e clínicas clandestinas de aborto.


De acordo com levantamentos da Gênero e Número, 483 mulheres morreram por aborto em hospitais públicos brasileiros entre 2012 e 2022, com a maioria das mortes sendo em função de falhas ao tentar interromper a gestação. Dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) também apontam que mulheres pardas têm mais chances de morrer por decorrência de falhas na tentativa de aborto.


O projeto de lei 1904/24 propõe equiparar o aborto realizado após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive em casos de estupro, com pena de seis a vinte anos de reclusão. A proposta cruel e desumana, que busca retroceder os debates acerca do aberto legal no Brasil, foi mal recebida por uma parcela importante da população, chegando a obter reprovação de mais de 80% dos votantes em enquete virtual da Câmara dos Deputados. Frases como “criança não é mãe” e “estuprador não é pai” ganharam força nas discussões sobre o aborto como forma de protesto contra o PL 1904/24 e contra o controle sobre o corpo das mulheres brasileiras. 


Em casos de menores de idade que engravidam por estupro, por exemplo, a denúncia e comprovação da violência pode ser dificultada, ultrapassando-se facilmente as 22 semanas, principalmente quando se leva em consideração que cerca de 75% das violência sexuais acontecem dentro de casa. Um ponto amplamente relevante é o de que a mulher que engravida resultante de estupro já sofreu uma violência e, com o aborto negado, ou pior, criminalizado, ela estaria exposta a violência mais uma vez.


Falhas em realizações de abortos são a quinta maior causa de mortes maternas no país. As recentes discussões trazem à tona a necessidade de desestigmatizar o aborto e tratá-lo como uma questão de saúde pública e como um direito humano fundamental.


Dados


1 em cada 7 mulheres, na média de 40 anos de idade, já realizou um aborto. 483 mulheres mortas por aborto em hospitais públicos entre 2012 - 2022. Mulheres pardas têm mais que o dobro de chance de morrer por falha na tentativa de aborto do que brancas. Quase metade pardas e 1 a cada 10, brancas. 36% dos registros não indicam cor/raça. 800 mil mulheres abortam anualmente no Brasil.


 
 
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